A presente peça, trabalho do grau de aprendiz, foi inspirada por nosso Ir HARINAMA, a propósito de uma passagem constante do manual do aprendiz, onde o Venerável Mestre instrui: “Sem ele [o avental} não podereis comparecer às nossas reuniões, e também não deveis usá-lo para visitar uma loja em que haja um irmão contra o qual tenhais animosidade ou com o qual estejais em desarmonia”.
A curiosidade que nos moveu foi exatamente essa: que relação há entre o avental, enquanto insígnia de trabalho, e as relações de fraternidade maçônica?
Na verdade, o avental, como diz a cerimônia de iniciação, é mais que um objeto, é uma insígnia, palavra de origem latina que significa tanto emblema quanto “sinal frisante que marca bem a diferença entre duas pessoas ou coisas” [Dic. Etim. da língua portuguesa. Edit. Domingos Barreira, Porto, Portugal].
Já a própria definição nos instrui muito: enquanto emblema, o avental representa a disposição do maçom para o trabalho que executa em loja, lapidando-se com esmero para tornar-se pedra digna do templo que o povo maçônico eleva no mundo todo. Enquanto sinal frisante de distinção, o avental pontua a diferença de postura íntima, isto é de atitude, que há entre o homem profano e o iniciado. O homem profano, por definição, cede às suas paixões, simpatizando e antipatizando com o seu semelhante sem maiores preocupações; o iniciado, por sua vez, faz de cada minuto de seu dia uma fração da régua de 24 polegadas, com que mede suas ações e sentimentos, procurando transmutá-los em material mais nobre, numa reação alquímica profundamente mística. Assim dito, essa análise parece apenas poesia, se não for assim, porém, todo o objetivo da iniciação se frustra e nossas lojas se reduzem apenas a um simples clube de serviço.
Apenas essa constatação já responderia, por si só, a nossa indagação inicial. Mas a simbologia do avental não se esgota apenas no constituir-se sinal.
Para o aprendiz, o avental recita uma importante lição, sempre que é colocado para os trabalhos, ao lembrá-lo nas formas, do retângulo e do triângulo, que seu grande desiderato é superar o plano exclusivamente material pelo desenvolvimento espiritual. A abeta levantada não deixa o aprendiz esquecer-se de que há ainda um longo caminho até que ele possa “engravidar” de espírito sua materialidade e assim dar à luz um mundo melhor.
O homem e um ser dual – matéria e espírito – e enquanto não reencontrar sua unidade não superará as contradições que o perdem. Essa verdade nos ensina a simbologia dos números 1,2, e 3. Não se trata de radicalizar, de optar pela matéria ou pelo espírito, como fazem alguns, nem se trata de separar espírito e matéria como aspectos inconciliáveis, como o fazem as posições maniqueístas. Também não se trata de amaldiçoar o homem por fazer o mal ou de santificá-lo por fazer o bem, como pretendem algumas seitas religiosas. Matéria e Espírito, bem e mal, são aspectos inseparáveis da mesma unidade, que devem ser transcendidos na unidade do ternário, que já não é mais a unidade inicial , mas o principio da própria evolução. Isso tudo nos ensina alegoricamente o avental.
Esse movimento dialético dos contrários, o avental simboliza. Sendo a vestimenta de trabalho do maçom, isto é a sua roupa, como outrora foi a roupa de trabalho dos obreiros dos templos, nos ensina a instrução nº 3, que fomos recebidos na maçonaria “nem nus, nem vestidos”, isto é, com os valores de nosso conteúdo profano mas sem nenhum conteúdo de iniciado. O avental, enquanto roupa, nos deixa semi-nús e semi-vestidos, isto é, nos faz não um SER mas um VIR-A-SER; não um estado, mas um processo; não um produto, mas um trabalho.
Do ponto de vista matemático, uma das sete ciências que devemos cultivar, o avental é, ainda uma lição. O retângulo que ele forma possui as dimensões 30 de largura, por 40 de comprimento, o que faz com que tenha 50 de diâmetro. Além do simbolismo conhecido desses números [3,4 e 5] e sua importância na maçonaria, o avental se compõe de dois triângulos com as medidas 3 e 4 para os catetos e 5 para a hipotenusa, demonstrando, assim o teorema de Pitágoras [Teorema 47 de Euclides], de que o quadrado da hipotenusa contém a soma dos quadrados dos catetos.
É curioso, ainda, para os Irmãos que possuem inclinação às interpretações místicas, ressaltar que o avental, ao contrário de outras peças de vestimenta, para “evitar de o homem sujar-se”, é colocado nos chakras inferiores, como que a “filtrar” as emoções mais baixas.
Há, ainda, uma correspondência entre o uso do avental e o antigo costume hebreu de “cingir os rins”. Jesus, falando a Pedro sobre a maneira pela qual haveria Pedro de morrer, diz a ele: houve tempo em que cingias teus rins e ias para onde querias; outros, porém, virão, cingirão teus rins e te levarão para onde não desejas [citação não literal]. Cingir os rins, órgãos da força, da decisão, significava assenhorar-se de si mesmo, dominar seu próprio destino, responsabilizar-se por seus atos. É também o que para nos maçons, o avental representa. Não será ainda por acaso que, do ponto de vista da abordagem psicossomática do homem, doenças dos rins significam, muitas vezes, desapontamento, medo e frustração.
Para concluir estas reflexões, queremos finalmente fazer a ligação entre o uso do avental e as relações fraternas: no evangelho de Mt 5,23-24, Jesus determina que “se, pois, fores apresentar tua oferta perante o altar e ali te lembrares de que teu irmão tem algo contra ti, deixa ali tua oferta diante do altar, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão e depois volta para apresentar a tua oferta”. Não podemos fazer a Boa Obra se em nossos corações os sentimentos não estão puros.