OS PARADIGMAS CIENTÍFICOS
O texto abaixo é bastante provocativo, mas a hipótese que defende é absolutamente legítima do ponto de vista do que conhecemos da evolução de qualquer instituição social e dos fatos históricos em geral. Pensei se devia ou não trazê-lo ao estudo e reflexão dos IIr.’. e o próprio texto me respondeu: se não é verdade que sacrificamos as idéias que não condizem com nossos paradigmas e se não é verdade que tememos o livre-pensar, não há razão para não enfrentarmos as idéias que exijam a contraprova de nossas afirmações. (Francisco Pucci)
OS PARADIGMAS CIENTÍFICOS
Uma enfermidade atual da Franco-maçonaria
A teoria de Thomas Kuhn sobre os paradigmas científicos exerceu uma influência considerável nas distintas disciplinas, especialmente na Sociologia. Suas reflexões mostram uma imagem da ciência que contrasta com a visão otimista que se tem do esforço permanente e anti-dogmático dos cientistas para verificar a falsidade das teorias e para avançar progressivamente até os conceitos mais corretos. Kuhn nos demonstra que as ciências maduras funcionam a partir de paradigmas estabelecidos, que marcam com bastante rigidez a maneira como trabalham os cientistas. Estes paradigmas proporcionam à comunidade dos cientistas um corpo “seguro” de concepções e procedimentos, geralmente sistematizados a partir da própria educação científica e que, segundo sua interpretação, se produz de maneira dogmática. O dogma de cada paradigma científico seria, ademais, reforçado pelas práticas de exclusão e aceitação que a comunidade científica põe em funcionamento em toda sua trama social, através de suas corporações, publicações, institutos, universidades e academias. Se, apesar disso, a sociedade tem uma visão da ciência como sendo um processo de acumulação de conhecimento, livre, antidogmático e auto-retificável, isso se deve, segundo Kuhn:
1. à maneira tenaz como se mantêm os cientistas fiéis por toda a vida ao paradigma em que são educados.
2. A que o paradigma dominante é capaz de reinterpretar e tergiversar todo o processo científico anterior.
3. A “invisibilidade”, isto é, o fato de que os velhos livros de texto são substituídos por aqueles que explicam o paradigma dominante, de maneira que todo o processo anterior é reinterpretado à luz da concepção dominante. Desta infermidade funcional de que é vítima a ciência, podemos extrapolar um diagnóstico acerca de um dos males de fundo de que padece hoje a franco-maçonaria. Me refiro à existência de um paradigma maçônico dominante, que tem sua origem na Inglaterra do ano de 1717. Existem duas concepções claramente definidas sobre a Maçonaria: a primeira, metafísica, se baseia em verdades absolutas e está impregnada de um espírito religioso que faz dela uma entidade dogmática à margem da realidade social e suas lutas, e é, portanto, imutável e estática. Para a segunda concepção, que é científica, a Maçonaria não é imutável, senão dinâmica, determinada por sua história e pelo transfundo social dos países nos quais opera nas diversas épocas.
O primeiro sintoma da enfermidade gerada por esta circunstância tem sido a extensão e aceitação geral da idéia errônea de que a franco-maçonaria especulativa teve suas origens a partir da união das quatro Lojas que fundaram a Grande Loja de Londres. Este fato oferece uma inegável funcionalidade para os historiadores, que encontram assim um ponto sobre o qual homogeneizar suas teorias sobre uma questão tão heterogênea e escorregadiça, assim como para os próprios maçons adeptos desse paradigma, no geral partícipes da concepção metafísica da Maçonaria a que fizemos menção, porém não obedece à estrita verdade.Neste ponto, a dinâmica opera da mesma forma nos adeptos do paradigma científico e nos adeptos do paradigma maçônico. Estes últimos tendem, em sua maior parte, a permanecer ligados por toda a vida ao rito em que foram “iniciados”, limitando-se a aceitar de maneira axiomática os princípios transmitidos através do mesmo, nesse caso os Antigos Limites e as Constituições de Anderson. Mesmo assim, de maneira similar à teoria da “invisibilidade” com que explicava Thomas Kuhn a aparência de continuidade do paradigma científico, também aqui se produz a suplantação dos textos antigos por outros mais de acordo com o novo paradigma dominante. Efetivamente, em 1718, no primeiro aniversário da nova Grande Loja, George Payne, seu primeiro Grão Mestreso, solicitou a todos os Irmãos que trouxessem registro e escritos antigos concernentes à Maçonaria. O próprio Anderson manisfesta, em sua narração de 1720, como muitos desses documentos foram queimados e destruídos por alguns Irmãos escrupulosos, “porque pensavam que esses papéis não deviam cair em mãos estranhas”.Descartando-se assim de qualquer documento que mostrasse o que haviam sido os posicionamentos ideológicos dos distintos ritos na Inglaterra nos séculos anteriores, o pastor presbiteriano se dedicou com entusiamo e vocação totalitária à reinterpretação da realidade da franco-maçonaria. Pode contar para isso com o aporte documental daqueles textos conhecidos como “Old Charges”, que melhor se amoldavam às suas próprias concepções, isto é, à idéia clerical e monárquica das Lojas escocesas. Em realidade, dois séculos antes, em 1525, se haviam formado os primeiros grupos franco-maçônicos na Inglaterra, dirigidos secretamente por Tomas Moro, e posteriormente por Francis Bacon e Guillermo Camden.
Durante a ditadura do rei Carlos I, da casa católica dos Stuarts, os franco-maçons ingleses haviam decidido em Assembléia proclamar como princípio básico da franco-maçonaria a luta pela abolição da monarquia e pelo estabelecimento da república. Este objetivo se lograria dez anos depois com a vitória militar do Irmão Oliver Cromwel, que estabeleceu em 1648 a república na Inglaterra. Carlos I foi processado e executado em 1649.
Em 1651, estabilizado o regime republicano, foi redigida definitivamente a “Carta de Constituição da Franco-maçonaria Inglesa”, que posteriormente foi aceita como Limites ou Landmarks da franco-maçonaria universal e que modificava em parte as decisões de Paris de 1523, estabelecendo como objetivos fundamentais a luta dos franco-maçons:
· Pela implantação da educação leiga nas escolas.
· Pela abolição da escravidão humana.
· Pela abolição da monarquia e o estabelecimento da república.
O processo de tergiversação ideológica de que foi objeto a antiga Maçonaria havia começado precisamente durante a ditadura do rei Carlos I da Inglaterra. Em 1640 um alquimista inglês, Elías Ashmole, iniciou uma reforma dos rituais da antiga maçonaria operativa, dando-lhes um caráter marcadamente bíblico. A história nos relata o ponto alto dessa reforma no ano de 1649 quando Ashmole, que simpatizava com a causa monárquica dos Stuarts, introduziu modificações na Lenda do 3º Grau com o objetivo de perpetuar a comemoração da morte de Carlos I, julgado e executado pelos Maçons republicanos.
Bíblia, Rei, clericalismo e monarquia, são as resultadntes deste novo enfoque ritualístico que prevaleceu até hoje. Com o mecanismo de exclusão que se conhece como “regularidade maçônica” compeltaram os nobres e cléricos ingleses o novo paradigma maçônico conforme sua própria conveniência.
O conceito de regularidade está baseado no submetimento a dogmas religiosos e a princípios conservadores que têm por objetivo privar os Maçons de toda atividade que tenda a modificar as estruturas políticas, sociais e econômicas, pretendendo acabar, dessa maneira, com o objetivo mesmo do que havia sido a primitiva franco-maçonaria universal. A Maçonaria resultante é a atual, com suas reservas ao livre pensamento, sua intransigência à respeito da crença em Deus e da imortalidade da alma, com a presença obrigatória da Bíblia em seus trabalhos, em substituição ao livro da Geometria, símbolo da ciência, que figurava na ara das antigas academias franco-maçônicas. Supõe mais que o paradigma dominante na Maçonaria, a anulação do objetivo que lhe era próprio e a enfermidade que corrompe suas energias originais. Esta enfermidade-contradição entre o “paradigma maçônico” e o “espírito maçônico”, de que é portadora uma importante quantidade dos Maçons atuais, é também, em minha opinião, a causa que explica praticamente a totalidade das controvérsias que afetam a franco-maçonaria e que constantemente afloram em temas de discussão como:
· Regularidade/irregularidade.
· Mulher e Maçonaria.
· Misticismo/Livre-pensamento.
· Caridade/Ação sócio-política.
· Territorialidade/Livre associação.
· Hierarquia vertical/Democracia.
· Tradição/Progressismo.
(Heracles)