A nova encíclica de João Paulo II, Fé e Razão, se constitui importante documento de reflexão por várias razões: marcando o 20º ano de pontificado do Papa, esta carta pode se constituir na Encíclica do fim do século; contrariando a linha tradicional de ataque `a liberdade de expressão, a carta atual exalta a relação entre filosofia e Teologia, ressaltando a importância de se voltar a refletir sobre os grandes temas metafísicos que a filosofia contemporânea praticamente abandonou; finalmente, discute a “crise de sentido” do homem atual, perdido num universo onde o conhecimento se apresenta cada vez mais fragmentado, relativizado e órfão de um princípio orientador.
Ressalta o papa neste documento que o homem é uma criatura que deseja saber, procurando respostas a perguntas como: Por que eu sou? De onde vim? Para onde vou? Por que o mal existe? Há vida após a morte?
A filosofia vem abandonando as questões metafísicas não só como conseqüência do processo social de secularização, mas até como reação aos séculos em que esteve serva da Teologia. Na era moderna, contudo, a separação entre as reflexões espirituais e as materiais atingiu, especialmente no ocidente, um limite que já nos acende seu alerta vermelho.
Quando Descartes, com seu “cogito ergo sum”, instituía a separação entre o ser que pensa e a matéria sensível, lançava não só as bases da ciência moderna como também a idéia de uma natureza independente e hostil, a ser conquistada, dominada, violentada.
Essa idéia de conquista violenta, de progresso “arrancado” da natureza, que veio a extrapolar-se, nas estruturas patriarcais do mundo judaico-cristão, às relações homem-mulher e adulto-criança, com todos os efeitos negativos que conhecemos, desembocou na visão mecanicista do mundo newtoniano, da analogia do universo com o relógio, cheio de peças articuladas mecanicamente, num mundo linear de causa e efeito, onde as “peças” estragadas devem se “consertadas”, base da visão do positivismo do século passado e que, em tempos recentes de certa forma sustentou as teorias latino-americanas de segurança nacional.
Nos tempos pós-modernos, contudo, abandona-se as exclusões e busca-se a síntese que enriqueça a ambos os lados em oposição. Sabe-se que a luz não se propaga por ondas ou por partículas, mas por ondas/partículas. As verdades não são mais absolutas, mas arranjos no processo extremamente rápido do conhecimento. Não há mais um sujeito separado (nem oposto) de um objeto: o aqui e o lá, o hoje e amanhã são conceitos físicos relativos.O todo é a única realidade consistente.
Tentando restabelecer a relação entre categorias espirituais e intelectuais, o Papa dá um passo importante para também restabelecer uma unidade que tanto a ciência quanto a religião contribuíram para quebrar.
Qual a importância desse fato para nós, maçons?
Em primeiro lugar, todas as iniciativas que somem força à luta pela compreensão maior entre os homens mostrando que o homem, apesar de todas as diferenças geográficas culturais e históricas, é basicamente o mesmo ser, sujeito às mesmas aflições e preocupado com as mesmas questões metafísicas fundamentais, são bem vindas.
Em segundo lugar, todas as contribuições a uma visão unificada de universo, que nos conduza cada vez mais a uma concepção ecológica de mundo, que nos responsabilize mais pelo destino da terra e dos seres que a compartilham conosco, contribuem igualmente para a valorização maior da vida, desiderato que também é nosso.
Em terceiro lugar, mas não menos importante, toda a tomada de posição que implique tanto em defender a razão contra um misticismo alienado quanto em defender o espiritualismo contra um racionalismo materialista, é valiosa para uma filosofia maçônica que, basicamente busca na síntese a superação da oposição dos contrários.
A pergunta: “A vida tem sentido?” embora secular como a esfinge, só aceitará uma resposta que envolva tanto a razão quanto a fé.