Como a realidade é dialeticamente constituída, ela é composta por pólos opostos que se opõe ao mesmo tempo em que se compreendem mutuamente, relacionando-se de forma inseparável, como nos ensina a instrução referente ao número dois. Assim, não podemos imaginar o frio sem o calor, o alto sem o baixo, o belo sem o feio, a essência sem a forma.
É em função dessa abordagem que se torna mais compreensível a famosa expressão: assim como é em cima é embaixo. Isso porque é impossível um “em cima” separado de um “em baixo”. As realidades opostas se compreendem na medida em que se definem mutuamente.
Muitas conseqüências se podem tirar desse princípio. A principal delas, para esta reflexão, é que sendo o homem constituído tanto de razão quanto de emoção; tanto de consciência quanto de inconsciência; tanto de corpo quanto de espírito; não há como pensá-lo parcializadamente, isto é, apenas isto ou apenas aquilo. Onde atuar um ser humano, ele atuará completamente, embora ora um ora outro de seus aspectos possa estar sendo privilegiado em dado momento. Na família, por exemplo, ao contrário de na empresa, o lado emocional poderá superar o racional no mais das vezes, sem que isso signifique a ausência da racionalidade.
Numa instituição de formação de caráter, como é a Maçonaria, há mais fortes razões para que os lados racional e espiritual se entrelacem ainda mais intimamente, a lógica e o sentimento se mesclem, a aparência e a essência correspondam-se mais coerentemente. Daí se dizer, como querem alguns, que uma instituição de cunho moral seja exclusivamente racional ou, como querem outros, exclusivamente espiritual, não tem o menor sentido.
Espiritual, aqui é conceito que se refere à transcendentalidade e não tem caráter sectário (o que não seria maçônico) e nem se refere a fantasias pseudo-esotéricas, embora o “esotérico” faça parte das pedagogias iniciáticas e simbólicas. Espiritual ou místico é todo esforço de desenvolvimento interior, de “centragem” da personalidade, de desenvolvimento do Ser. O ser humano que não pretenda esse desenvolvimento, por maiores progressos que faça nos planos intelectual, material ou social, nunca será plenamente humano.
O meio de comunicação que o homem possui para estabelecer contato com seu ser interior é a linguagem dos símbolos.
Freud e Jung trataram exaustivamente dessa questão. Jung demonstrou quanto certos símbolos, como a trindade, o sol, as colunas e as estrelas, por exemplo, são arquetípicos, isto é, fazem parte do inconsciente coletivo da espécie e como sua decifração é importante para o homem vir a conhecer-se.
O símbolo é a chave que liga o Ego ao Eu superior. Este, ao contrário daquele eu consciente, não está mergulhado no fluxo da corrente mental. É o Eu imperturbável de que falaram os místicos, como Santa Tereza ou São João da Cruz; os psicólogos humanistas, como Assagioli, Fromm e Frankl; os filósofos, como Kant e Herbart.
O símbolo acumula e preserva uma carga psicológica dinâmica, capaz de desencadear o raciocínio analógico, abrindo a consciência para novas relações entre as coisas.
Através da linguagem simbólica, herdamos antigos e sábios ensinamentos que, em forma de lendas, de história ou de parábolas, nos trazem as conquistas do homem na busca por si mesmo.
É o caso dos quatro animais do Evangelho de Mateus – águia, boi, leão e homem – que se encontram também na esfinge de Gizé e na da peça de Sófocles, interpelando o passante.
A águia=água=sentimento, o boi=terra=sensação, o leão=fogo=intuição e o homem=ar=pensamento são as imagens arquetípicas das quatro funções psicológicas da individuação, isto é do amadurecimento do ser humano. Por isso diz a Esfinge: “decifra-me ou te devorarei”, pois se não conseguirmos desenvolver integramente essas quatro funções, seremos literalmente devorados por nós mesmos.
Osíris, Hércules, Teseu e Perseu, Parsifal ou Siddharta Gautama são heróis representativos do homem buscando o “quem eu sou” o tesouro do Graal, a pedra filosofal, a conquista simultânea do EU e do TODO.
Como decorrente dessa linha de raciocínio, temos que a maçonaria não pode ser entendida desde um ponto de vista mistificador (ao invés de místico), onde as lendas sejam tomadas literalmente como verdadeiras, nem desde um ponto de vista racionalista (ao invés de racional), como o ultrapassado cientificismo positivista do século XIX.
O homem é um ser completo que deve desenvolver-se racional e espiritualmente; individual e socialmente; emocional e politicamente; já que é um sistema de partes inseparáveis.
Daí o método simbólico da didática maçônica. O símbolo une o consciente e o inconsciente, o exterior e o interior, a forma e a essência. Andar ritualisticamente, executar gestos e receitar fórmulas, são drives de um caminho interior, de gestos e fórmulas internos que nos levam a graus de cada vez mais profundidade. Internamente somos despertados para a intuição de toques e palavras de passe que abrem portas até então fechadas, em busca do Sanctum mais íntimo, onde se dá o encontro do EU e do TODO.
Dominar paixões e emoções; alargar a mente e, finalmente, despertar o espírito, é a tarefa árdua e perene, onde cada senda tem suas portas e seus mistérios. Por isso só podemos, de início, soletrar, onde uma letra é dada após outra, num esforço paciente de encontro com o EU.
Sabiamente disse em uma de nossas reuniões um querido Irmão: a maçonaria não tem segredos; quem tem segredos somos nós.