O Sertão de Minha Terra
Deus deu-me a ventura de ter nascido na região mais distante e desconhecida do Sertão do São Francisco, num pequenino lugarejo de caboclos. O tempo andejou pelos caminhos das eras e aquela humílima povoação se tornou na cidade de Poço Redondo. Vivi a minha meninice, adolescência e juventude admirando e amando a imensa caatinga que se estendia pelos horizontes infindos; emoldurada pelos rios e riachos, charcos e lagoas, serras e vales, prados e Campinas. Caatinga dos bichos e animais. Caatinga que tinha a proteção do descampado azul do infinito e das nuvens claras do meu sertão, o Sertão da Minha Terra.
Sertão do Riacho Jacaré, com sua areia fofa e seus poços d´água, onde a meninada tomava banho no amanhecer dos dias sertanejos, e o gado vinha beber e sestar nas sombras aconchegantes de suas caibreiras. Sertão do gado pé-duro e da orelha cabeluda, onde o vaqueiro campeava com coragem e destreza a manada bravia, criada quase selvagem, enfiada nos cafundós da terra sertaneja de Poço Redondo. Sertão onde o vaqueiro, o cavalo e o boi brabo e mandingueiro protagonizavam a notável medição de forças que marcaram o apogeu da vida pastoril dos campos sertanejos do São Francisco. Sertão do gado brabo de Mane do Brejinho e da Cuiabá.
Sertão de Pedrinho de Eustáquio, Daniel, Zé Leobino, Miguel Quita, Tião de Sinhá, Abdias, Rivaldo de Janjão e Elias, os maiores vaqueiros da história campesina do Sertão do São Francisco.
Sertão daqueles tempos, em que quando no morrer do dia, ouvia-se o aboio dolente e cheio de ternura do vaqueiro tangendo a vacaria de leite para o curral. Sertão do mugir dos rebanhos bovinos nas festas de apartação, ajuntamento e vaquejada. Sertão do carro de boi, com seus cocões azeitados e cantando fino pelas estradas e trilhas do mundo caipira. Sertão das festas e leilões; do fole, do pandeiro e do ganzá; do reisado e da cantiga de roda; do entrudo, das novenas e dos louvores aos santos e imagens.
Sertão de Minha Terra
Quanta saudade eu sinto do reboar da passarada, do chuá, chuá das águas barrentas, que abarrotavam os riachos e lagoas nos tempos das trovoadas; do colorido mavioso das borboletas nas malhadas das fazendas e nas tardes sertanejas daqueles tempos; do cheiro agreste que exalava do colo generoso de nossa mãe-natureza; do perfume inebriante das flores campestres que enchiam de estonteante beleza os campos sertanejos; do verdejante capim nativo, se espalhando como se fosse um tapete mágico e verde pelos campos e serranias da terra cabocla do sertão.
Será que você, homem sertanejo, que em sua juventude morou neste pedaço de Sergipe, , que se convencionou em chamá-lo de sertão do São Francisco, você que pode ter vivido a vida e a cultura enraizada e herdada de nossos antepassados, aqueles pioneiros de nosso mundo caboclo, mas que, por força do destino, passou a residir na grande cidade, não sente uma dor no peito ao recordar dos idos de um sertão e de uma caatinga, que nos tempos atuais existe apenas em nosso pensamento e em nossas recordações?
Sente, eu sei que de vez enquanto o seu peito fica dilacerado de tanta saudade do rincão em que você nasceu e viveu por alguns anos de sua existência.
Mesmo eu tendo o privilégio e a felicidade de viver neste chão amado, verdadeiro paraíso de minha vida, eu sinto a mesma dor saudade do homem sertanejo que vive na cidade grande. A minha angústia e tristeza é por saber que nunca mais verei o sertão de minha meninice. Aquele sertão que vive por tantos e felizes anos nos tempos passados da aurora sublime e serena de minha infância. Eu bem que sei que o sertão de minhas origens não mais existe, foi tragado pela voracidade da sucessão dos anos, e vive somente no mundo fantasioso de minha imaginação – e isto é causa de enorme tristeza e grande tormento que me faz padecer profundamente.
Eu bem sei, meu sertão e minha caatinga amada, eu bem sei que vocês perderam aquela primitiva rusticidade que tanto os caracterizava e que enchia as paisagens caboclas de tanto encanto e fascínio. Hoje o sertão está descaracterizado e a caatinga foi dizimada pelo vendaval da insensibilidade do homem. É certo e verdadeiro que o sertão e a caatinga não nem uma tênue sombra de seu passado glorioso. Foram devassados pela civilização que adentrou o seu interior desmatando a mataria, derrubando suas árvores, queimando sua terra, numa agressão sem limites a nossa mãe-natureza.
No passado não era assim. Via-se de longe em longe um lugarejo, uma povoação, um pequeno núcleo habitacional. Aqui e acolá, lá longe na imensidão da caatinga uma fazenda, encravada na distância de um e outro povoado.
O caminheiro e os mascates que perambulavam pelas lonjuras dos sertões, atravessavam grandes e penosas distâncias sem encontrar uma habitação, uma pousada onde pudesse se hospedar e receber a necessária hospitalidade tão peculiar ao camponês de boa índole e amigo.
Hoje, o que se constata é que o sertão e a caatinga são espectros tristes e solitários de um mundo sem amor. É uma pena!
(Alcino Alves Costa, o Caipira de Poço Redondo. Notável homem de letras, ele descreve com aptidão as belezas de sua terra. Num estilo muito próprio, esse sergipano de alma sensível e grande conhecedor dos costumes de sua gente, declara todo o amor que possui pelo sertão nordestino, muito bem representado nas palavras sinceras, in “O Sertão de Minha Terra” e “O Sertão e a Caatinga”, artigos que assina com muita galhardia. Ao poeta popular e intérprete da Literatura, que por três vezes foi mandatário de sua querida Poço Redondo, os sinceros cumprimentos da Coluna. Ele merece o respeito do povo de sua Terra, de sua região, e particularmente de nossos leitores. Parabéns, Alcino!)