O Reino dos Céus
A ideia de céu esta presente em muitas religiões e em muitas das religiões
cristãs existem representações de céu bastante curiosas, como o clássico céu,
onde as pessoas andam sobre nuvens em meio a anjos e ficam lá eternamente
ociosas vestindo roupas brancas e olhando, até com certo desprezo, os pobres
infelizes que estão lá em baixo no inferno. Existem também religiões que pregam
uma ideia curiosa de céu onde os seres humanos ficariam felizes e sorridentes
em campos gramados e em ambiente familiar, como em um parque, ao mesmo tempo
que conviveriam lado a lado com animais selvagens, como leões e tigres por
exemplo, que deixariam de ser carnívoros e se tornariam dóceis como animais
domésticos.
Estas ideias um tanto antigas e infantis a respeito do céu geram na mente das
pessoas mais esclarecidas mais descrédito do que fé, muitas vezes dificultando
a assimilação dos princípios cristãos, princípios estes sérios e realistas, que
estas religiões tentam de boa vontade ensinar. Já no espiritismo, muitos
seguidores têm uma ideia de céu um pouco diferente, mas não muito, onde o que
chama a atenção é a tecnologia avançada e as paisagens e jardins maravilhosos,
como os relatados nos livros de André Luiz, e infelizmente muitos espíritas
acreditam também ser este um lugar para ociosidade e vida contemplativa, como
prêmio pela sua elevação moral.
O ponto fundamental onde muitos espíritas e também muitos outros cristãos erram
é que o céu, ou reino dos céus de que nos fala Jesus, é nada mais do que um
estado de espírito, como também é um estado de espírito o estado descrito no
Budismo chamado de Nirvana, um estado de elevação espiritual. O céu não é por
tanto um lugar físico, com coordenadas definidas, na Terra, na camada
atmosférica ou no mundo espiritual invisível.
Esta concepção de céu como um lugar cheio de confortos e beleza, feito para o
deleite dos sentidos é também um fruto do nosso materialismo, pois, como seres
atrelados à matéria, temos como prioridade a satisfação de desejos e conquistas
materiais e naturalmente construímos um céu ideal como um lugar onde seriam
satisfeitos os nossos desejos materialistas de conforto e descanso. A
necessidade de atrelar a felicidade futura à possibilidade de viver em um local
materialmente mais agradável, seja no plano físico ou no plano espiritual invisível,
é na verdade um indicador do nosso atraso e do nosso materialismo dominante,
pois acreditamos que esta felicidade futura só será possível quando
conquistarmos este privilégio de habitar um local distante dos problemas da Terra.
Podemos imaginar, por exemplo, o que acontece quando um espírito superior, que
atingiu a elevação necessária para viver no que chamamos de céu, vem visitar
regiões atrasadas como a Terra. Este espírito é certamente um espírito feliz,
sua felicidade é uma consequência automática de sua elevação moral e ao deixar
as regiões mais agradáveis e se deslocar para a Terra ele não perde sua
felicidade, não muda seu estado de espírito e não perde nem um pouco sua
elevação moral, poderíamos dizer que ele carrega o seu céu consigo, o céu deste
espírito vai com ele onde ele for.
Existem, é claro, muitos exemplos de espíritos elevados que, em missão e
encarnados na Terra, enfrentaram grandes dificuldades e aflições, mas estas
aflições com certeza faziam parte de pequenas lições de elevação moral que
aquele espírito, muito mais elevado que nós, ainda precisava enfrentar, como se
fossem aulas de reforço para um aluno mais adiantado que já concluiu aquela
série que ainda estamos cursando, mas deixou de assimilar algumas pequenas
lições e por isso vem se juntar a nós para fazer este pequeno reforço, sem que
por isso perca seu estado de adiantamento. Já outros espíritos elevados e em
missão na Terra enfrentam dificuldades, perseguições, e punições, como algo
natural, sem que sua alegria e elevação interior seja abalada nem um pouco. Um
exemplo que podemos citar é o comportamento tranquilo dos espíritos mais
elevados quando aprisionados por “autoridades” na região do umbral, conforme
relatado no livro Libertação de André Luiz. Estes espíritos superiores
conservavam sua tranquilidade e paz interior, ao contrário de outros espíritos
que acompanhavam estas mesmas excursões e que ficavam sempre tensos e
preocupados; outro exemplo é a tranquilidade e até mesmo a felicidade que
demonstrava Gandhi nas suas diversas passagens pela prisão durante o movimento
de resistência pacífica na Índia, em que ele aproveitava o tempo livre da
cadeia para meditar e escrever ótimos livros, enquanto que seus parceiros de
luta tinham verdadeiro pavor de serem presos.
Podemos imaginar assim que Jesus, durante sua prisão e seu martírio, não teve
sua paz interior abalada em nenhum instante e fica então fácil de entender como
o enorme sofrimento físico foi suportado por aquele espírito elevado, graças à
sua imensa superioridade moral, que o levou a pedir o perdão de Deus, em seus
momentos finais, a nós pecadores que, segundo disse, não sabíamos o que
estávamos fazendo.
Analisando o que a doutrina espírita nos ensina e refletindo sobre o que
significa ser um espírito superior, chegamos à conclusão de que os espíritos
superiores devem passam a maior parte de seu tempo na verdade em serviço de
auxílio aos espíritos mais atrasados como nós e em regiões atrasadas como a Terra.
Isto é uma consequência lógica, pois se ser moralmente superior é equivalente a
pensar no próximo antes de si mesmo e desejar praticar o bem, é muito difícil
acreditar que os espíritos superiores se esquivariam do serviço árduo de
auxílio aos seres mais infelizes nas regiões mais atrasadas. Na verdade, o
suposto privilégio de sempre poder evitar este trabalho difícil, se assim
fosse, funcionaria na verdade como uma punição ao espírito que se eleva
moralmente e passa então a possuir mais vontade de trabalhar e ajudar. A vida
de ociosidade longe do estudo e da prática do trabalho, seria na verdade
castigo ao espírito de boa vontade.
O espírito elevado carrega consigo o seu céu interior, sua paz e sua felicidade
onde quer que esteja e o que nos diferencia destes espíritos que estão sempre
no “seu céu”, onde quer que estejam, são os nossos defeitos morais, nosso
orgulho, egoísmo, maiores ainda do que nossa humildade e boa vontade. Os
espíritos elevados sentem-se sempre no céu, seja na arena do circo romano no
momento de serem devorados pelos leões, ou seja na condição de escravo ou de
trabalhador assalariado encarregado da limpeza dos esgotos; já os espíritos
ainda em luta com os próprios defeitos, como nós por exemplo, não conseguimos
sentir esta mesma paz de espírito e esta mesma tranquilidade nem mesmo estando
no trono do imperador, conforto de uma mansão luxuosa ou na posição superior
sentado na cadeira de presidente de uma grande empresa.
Portanto, preciso sempre me lembrar de que o meu céu, ou meu reino dos céus,
está dentro de mim, e eu sou o único responsável por não deixa-lo ainda
aparecer, por não conseguir manter esta paz e esta tranquilidade dentro de mim
o tempo todo. A todo momento em que a vida, por exemplo, me trouxer uma
dificuldade, um obstáculo ou uma situação desagradável, preciso tentar me
lembrar de como um espírito superior reagiria àquela mesma situação, se seria
tão impaciente como eu, se perderia sua calma como eu costumo perder ou se
deixaria se levar pela atitude mais fácil e menos trabalhosa deixando de se
esforçar um pouco mais para fazer a coisa certa em benefícios de todos. Todas
estas atitudes elevadas que conhecemos na teoria, mas que temos tanta
dificuldade em colocar em prática na hora certa, são o que ainda nos separa do
nosso céu.
Não vamos mais então esperar um céu futuro, um céu em que podemos ser
convidados a habitar como prêmio pela nossa prática religiosa e onde desejamos
viver em eterna felicidade em meio a tecnologia avançada, conforto ou paisagens
paradisíacas. Vamos, ao contrário, criar nós mesmos um céu bem aqui onde
vivemos, sendo pessoas melhores que criam um círculo de felicidade à sua volta,
sendo pessoas que irradiam paz e tolerância, que praticam o trabalho duro e o
estudo incessante, que demostrão na prática a humildade e o desapego, esquecendo
aquela ideia de ser privilegiado com o convite para morar num céu exclusivo de
poucos. Este céu que você mesmo criará, o único céu real, estará dentro de você
para sempre e dele ninguém poderá te expulsar.