SAUDADE
Vivo de saudade, dos vivos e dos mortos. Dos vivos, que se
perderam no turbilhão da vida; dos mortos, que conheci…; e até das casas e
lugares que desapareceram, sinto saudade…
perderam no turbilhão da vida; dos mortos, que conheci…; e até das casas e
lugares que desapareceram, sinto saudade…
Saudade do menino que fui, do tempo de infância, quando pela
mimosa mão de minha mãe, ia à cidade.
mimosa mão de minha mãe, ia à cidade.
Como gostava de passear pelas ruas do Porto! …As montras
iluminadas, os carros deslizando pela calçada, as pessoas, a confusão, a luz,
as cores vistosas dos vestidos … Tudo para mim, para meus olhos de criança, era
um encanto.
iluminadas, os carros deslizando pela calçada, as pessoas, a confusão, a luz,
as cores vistosas dos vestidos … Tudo para mim, para meus olhos de criança, era
um encanto.
Certa ocasião, ao dobrar a rua das Flores – então conhecida
pelo ouro, – para os Loios, minha mãe escorregou. Quase caiu. Amparei-a.
pelo ouro, – para os Loios, minha mãe escorregou. Quase caiu. Amparei-a.
Virando-se para mim, muito séria, disse: – “ Se não fosses
tu, tinha caído…” – Fiquei orgulhoso! …Teria seis anos. Não mais.
tu, tinha caído…” – Fiquei orgulhoso! …Teria seis anos. Não mais.
Saudade dos meses quentes de Verão, que passei na Vilariça,
na simpática “ Quinta do Bem “…
na simpática “ Quinta do Bem “…
Dos animais, da vida agrícola, mormente do tanque de pedra,
de água corrente, toldado de densa parreira, convidando-me à preguiça; à
delícia da sonolência…nas cálidas tardes de Estio.
de água corrente, toldado de densa parreira, convidando-me à preguiça; à
delícia da sonolência…nas cálidas tardes de Estio.
Saudade do Nero. Canzarrão meigo, amigo sincero, que sempre
permanecia junto de mim. De noite dormia estendido na soleira da porta, porque
não o deixavam entrar.
permanecia junto de mim. De noite dormia estendido na soleira da porta, porque
não o deixavam entrar.
Saudade da velha e amiga cidade de Bragança, onde permaneci
quatro longos anos, que foram os melhores e os piores da minha existência.
quatro longos anos, que foram os melhores e os piores da minha existência.
Saudade, saudade que lasca o coração e se enraizou na
memória, sinto daquela que foi para mim, a melhor amiga: Tinha nos olhos sorrisos e ingenuidade. Boca pequenina.
Lábios cor-de-rosa. Por eles saíam ternas palavras que faziam sonhar…
memória, sinto daquela que foi para mim, a melhor amiga: Tinha nos olhos sorrisos e ingenuidade. Boca pequenina.
Lábios cor-de-rosa. Por eles saíam ternas palavras que faziam sonhar…
Por que boa fada não encantou, para sempre, num sonho
perpétuo, o quadro familiar?! … – Ela sorrindo, eu, enlevado na beleza, na
graciosidade de uma criança amorosa…
perpétuo, o quadro familiar?! … – Ela sorrindo, eu, enlevado na beleza, na
graciosidade de uma criança amorosa…
Saudade das tardes de sábado, quando visitava velhas senhoras.
Poder correr livremente ao redor do pessegueiro, sentido o perfume adocicado de
roseiras floridas, e a glicínia, de grandes e vistosos cachos roxos, espiando a
rua, debruçada em tosco muro de pedra.
Poder correr livremente ao redor do pessegueiro, sentido o perfume adocicado de
roseiras floridas, e a glicínia, de grandes e vistosos cachos roxos, espiando a
rua, debruçada em tosco muro de pedra.
Saudade de certo mês de Dezembro, que passei na Parede. Época
dolorosa, mas que despertou sentimentos que não conhecia…
dolorosa, mas que despertou sentimentos que não conhecia…
Saudade do Manuel Maria, e dos amenos passeios por velhos
becos e vielas tripeiras…
becos e vielas tripeiras…
Saudade de Roma. Do reconfortante silêncio do claustro, vendo
monges deslizarem pelos corredores, envoltos numa luz misteriosa e silenciosa.
– “ Aquele fraterno é um santo…como já não há!…” – Disse-me o meu
companheiro.
monges deslizarem pelos corredores, envoltos numa luz misteriosa e silenciosa.
– “ Aquele fraterno é um santo…como já não há!…” – Disse-me o meu
companheiro.
Saudade de Frei António, sempre prestável, sempre afável, a
mostrar-me belos rincões da Cidade Eterna.
mostrar-me belos rincões da Cidade Eterna.
Saudade da Pauliceia. Das pessoas que conheci, e das figuras
simpáticas que me apresentaram: – “ Você é português?! … Então é quase
brasileiro…” afirmou-me arquitecto de Porto Alegre.
simpáticas que me apresentaram: – “ Você é português?! … Então é quase
brasileiro…” afirmou-me arquitecto de Porto Alegre.
Saudade de Itanhaém. Da casinha amorosa, que ficava perdida,
em verduras, na Praia dos Sonhos…
em verduras, na Praia dos Sonhos…
Ai, nesse bocadinho de terra abençoada, convivi com a que se
tornou companheira de jornada.
tornou companheira de jornada.
Saudade do velho prédio de alforge, que tinha quase duzentos
anos, onde nasci…e da humilde casinha de Sumaré…
anos, onde nasci…e da humilde casinha de Sumaré…
Saudade dos mortos, que legaram o que sou e o que sei. Tudo e todos vivem dentro de mim…. Neste corpo envelhecido,
que sofre dia e noite…
que sofre dia e noite…
Todos me deixaram um pouco. Devo-lhes o que fui e o que sou. A todos agradeço. Todos se encontram entranhados neste
cansado coração…
cansado coração…
(Humberto Pinho da Silva in Saudade)