A CHAVE PARA A SUPERAÇÃO
Vivemos uma era de
instabilidade: econômica, política e, sobretudo, social. Não é raro questionar
uma pessoa sobre o atual cenário de nosso país e ouvir palavras descrentes e
desanimadas; não é raro contestar qualquer pessoa acerca do rumo que sua própria
vida está tomando e deparar-se com apatia e frustração. Veículos de comunicação
disseminando diariamente notícias pessimistas sepultam toda e qualquer fagulha
de esperança que possa vir a existir dentro de nós, furtam-nos a menor parcela
de convicção em dias melhores, em momentos melhores… Em pessoas melhores.
Outro dia, fui a
um restaurante buscar almoço para mim – já que minha família havia viajado e eu
estava sozinho em casa; era véspera de feriado e o estabelecimento estava
abarrotado de gente, fila quilométrica para realizar o pedido e o sol do
meio-dia, obviamente, fazendo questão de se fazer notável com seu calor
ardente; enquanto aguardava aborrecidamente minha vez, pensava se aquela
situação maçante poderia piorar… Após um tempo de espera, fui atendido,
recebi meu marmitex, paguei-o e dirigi-me à saída.
Chegando perto do
meu carro, coloquei a mão em meu bolso para alcançar a chave e ao puxá-la para
fora, senti-a escorrendo entre meus dedos e caindo… Rumo a um bueiro. Em um
piscar de olhos eu havia deixado a chave do meu carro escapar dos meus dedos e
visto-a sendo perdida dentro daquele buraco com grades repleto de folhas de
árvores e lixo. Sem reação, consegui apenas olhar para o lado, quando me
deparei com uma moça de semblante pálido, com os lábios contraídos e apertados,
como quem dizia: “a situação piorou”. Eu apenas balancei a cabeça, fitando-a e
assenti, pensando, “sim, minha querida, a situação piorou até demais”.
Com a ficha – e a
chave- caída, logo me ajoelhei e fui à procura desta bendita chave, tentando
pôr meu braço entre as grades, mas não a encontrava de maneira alguma em meio
àquela imensidão de folhas. Eu já estava desolado, aflito e também conformado:
perdera a chave do meu carro, só restava lamentar, sozinho e resignado, o episódio.
Nisso, uma senhora idosa, no alto de seus setenta anos, logo veio me ajudar,
dizendo: “deixa que eu te ajudo, meu filho, meu braço é fino e eu consigo
colocar no meio dessa grade”. Eu, não acreditando naquele ato de solidariedade,
observei aquela senhora se ajoelhando como se uma jovem fosse e remexendo todos
aqueles galhos e folhas no encalço da referida chave.
Não logrando
êxito, um rapaz ofereceu-me a chave de seu carro para tentar abrir o meu,
outro, trouxe um arame para tentar “fisgar” a dita cuja, outro, um pedaço de
metal com um gancho na extremidade. Não havia sequer um presente ou transeunte
que não houvesse sido tocado pela situação periclitante que eu atravessava. Não
houve uma pessoa que não oferecera ajuda. Contudo, todas as tentativas em vão.
Vendo que todos os
esforços sinérgicos não estavam sendo suficientes, um casal muito simpático
ofereceu-me carona até minha casa para pegar a chave-reserva e assim deslocar o
carro de seu lugar, permitindo a abertura completa do bueiro. Com o nervosismo
aflorado, aceitei sem hesitar. No caminho, pude sentir sua condescendência e
compaixão, dizendo que “isso acontece, basta ter calma e tudo dará certo”. De
imediato, a calma daquele casal pairou sobre mim.
Chegando a minha
casa, não encontrei nem sinal da reserva. Ligo para meus familiares e todas as
ligações caem na caixa de mensagem. Após nova agoniante procura, nada.
Dirijo-me ao casal e agradeço-lhe a ajuda, peço para não se incomodarem e para
ficarem à vontade, pois eu voltaria ao restaurante com o carro do meu pai, já
que não havia triunfado em minha busca.
Retorno ao
restaurante atônito e ao cruzar a fachada, a atendente me interpela: “É você o
rapaz da chave?” Ao dizer que sim, ela emenda: “um senhor conseguiu tirá-la do
bueiro, ela está aqui”, tirando a malfadada chave de seu bolso, trazendo-a a
mim. Naquele momento não pude acreditar que minha epopeia estava finda; talvez
tenha eu sentido parte da aflição e angústia de Ulisses em seus dias de
tormento.
Já indo embora, um
rapaz me para e diz: “já está com a chave?”, digo que sim e ele continua: “fui
eu que peguei no bueiro, arranjei dois pedaços de madeira e liguei com um
arame, fazendo uma espécie de alicate”, nesse momento não tive reação senão
agradecê-lo imensamente pelo ato altruísta, quando ele, por fim, disse: “sou
engenheiro civil, para mim não foi nada, fique tranquilo”, ao despedir-se de
mim, vi nele um olhar de contentamento, de puro e genuíno companheirismo e
abnegação.
Assim como eu não
sequer vislumbrei a possibilidade de presenciar pessoas solidarizando-se com
minha situação calamitosa, a maioria das pessoas, atualmente, demonstram uma
extrema falta de confiança em diversas circunstâncias, em diferentes searas de
sua vida, apegando-se a um pessimismo e derrotismo pré-concebidos, as quais
aniquilam qualquer possibilidade de melhora, êxito ou triunfo.
A pedra de toque
não é arraigar-se ao otimismo cego, mas entender a natureza humana, que mesmo
sob qualquer revés e adversidade, trilhará o caminho da cooperação e da
superação conjunta, não importando qual seja a conjuntura. A partir do momento
que essa verdade for compreendida em si, um processo é desencadeado e todo
caos, em sua respectiva duração, se transforma em ordem, seja para recuperar a
chave de um carro, ou para recuperar a chave do restabelecimento econômico,
político ou social.
Campo Grande/MS – 7
de setembro de 2015