MITO E NATUREZA
“Oh! Como é bom e agradável viverem unidos os Irmãos! É como o óleo precioso sobre a cabeça, o qual desce para a barba, a barba de Arão, e desce para a gola de suas vestes. É como o orvalho do Hermom, que desce sobre os montes de Sião. Ali ordena o Senhor e sua bênção e a vida para sempre” Salmo 132 (133 na Bíblia Evangélica). Há tempos trago comigo a certeza de que há grandes traços significativos de verdades profundas em todas as visões de mundo (científicas, filosóficas, teológicas, etc.) existentes. Até por isso respeito a todas. Captar-lhes a quintessência, o meu sonho maior. Há alguns anos assisti à série de entrevistas que Joseph Campbell (1904 – 1987) concedeu a Bill Moyers; de vez em quando vai ao ar na TV Cultura de S. Paulo e TV Educativa do Rio de Janeiro. Percebi no mestre uma alma com um ideal comum, um Irmão de ideais e propósitos, assim passei a ler avidamente a maior parte de sua obra literária, editada no Brasil pela Palas – Athena: O Herói de Mil Faces, As Máscaras de Deus. Campbell dedicou a vida ao estudo dos mitos. Impressionante o trabalho deste pesquisador. Fala de todos os mitos existentes: dos bosquímanos aos esquimós, dos judaico-cristãos ao xintoístas, dos zulus aos astecas, todas as formas míticas apontam na direção efetiva de “algo além”. O Autor desenvolve uma teoria segundo a qual há um universo invisível, ao qual todos os mitos apontam, e que dá sustentação ao universo visível. Os deuses e deusas dos cultos indo-africanos, o deus único dos cultos judaico-cristãos e muçulmanos, todos funcionam como representação de superioridade ética a ser atingida e se referem a nós, a como cada um de nós deve refletir e viver. Para além de uma mera representação fantasmagórica do mundo real – interpretação que o materialismo vulgar faz do fenômeno mítico – o Mito é, para Campbell, simultaneamente um meio de elevar o homem da Natureza (mãe-terra/útero) ao mundo da Cultura (pai) tanto quanto integrar a Cultura humana ao movimento da Natureza. Sendo ainda vias de acesso ao mundo invisível, os mitos arrolados por Campbell apontam na direção do encontro daquele ponto em que movimento e imobilidade, interior e exterior, sonho e vigília, homem e Deus deixam de ser apreendidos contraditoriamente. Tudo conflui, tudo aponta na direção da Unidade. Isso realmente nos fascina, principalmente hoje em dia. O ser humano jamais viveu de maneira plena e fecunda sem uma concepção unificadora, mitológico-social. Em palavras claras: cada tempo histórico tem o seu Mito. Qual o mito unificador atual? Não há UM, ainda. Há milhares, pulverizados, fragmentados, frequentemente em conflito uns com os outros: o mais grave exemplo da loucura humana é o que acontece no Oriente Médio: representantes de três religiões monoteístas vivem em guerra embora cultuem o mesmo Deus, pois se encontram presos à conotação ou à letra morta de seus livros sagrados e desprezam a denotação da letra viva da mensagem divina. É precisamente neste sentido que Renato Russo diz, em “Metal Contra as Nuvens” ser “a própria fé o que destrói”. Há séculos não se cria um Mito novo que “pegue”, ou seja, que esteja em perfeita sintonia com o sentimento popular universal. Todos os Mitos nascidos, tomam como base o que há de mais avançado em ciência, filosofia e religião de seu tempo e encontram pontos comuns, ultrapassando-os numa nova mundividência. A última vez em que isto aconteceu foi há 13 séculos, quando Maomé buscou unificar as muitas religiões, filosofias e ciências existentes na Península Arábica e, reza a tradição, ouviu a voz do Arcanjo Gabriel que lhe ditou o Alcorão. O racionalismo e a ciência ocidentais vêm desbancando e desmontando todos os mitos sem nada colocar em seu lugar. Fica um vazio, uma lacuna que nem a razão, nem a ciência tem o condão de preencher. Eis o cerne da questão: urge que surja um mito novo. Um mito capaz de unificar e ultrapassar os maiores avanços científicos, tecnológicos, filosóficos e religiosos de nossa Era. Mito Embrionário. O novo mito já tem seus traços genericamente esboçados, em vários pontos do Globo Terrestre. Naturalmente, tem sido combatido com implacável violência, física também, mas sobretudo verbal pelos fundamentalismos existentes, seja o fundamentalismo cientificista, seja o fundamentalismo religioso. Mesmo isso tem importância meramente episódica: o cristianismo em seus primórdios também foi combatido pelas autoridades temporais e eclesiásticas de sua época (políticos romanos e rabinos judeus ortodoxos fizeram o possível para sufocar a nova religião nascente); a visão científica moderna de mundo, por seu turno, viu queimar muita produção intelectual no altar do fundamentalismo cristão medieval. Fala-se hoje abertamente na “hipótese Gaia” – o planeta Terra como um gigantesco organismo vivo, com todas as coisas interdependentes. O profetismo nos ensina que algumas pessoas inspiradas, aqui e ali, em geral após alguma forma traumática de cisão esquizofrênica na adolescência, visitam um mundo diferente deste nosso, cotidiano, medido, controlado e submisso a regras antigas. Retornam reforçados como autênticos porta-vozes da divindade. O padrão se repete em todas as sociedades humanas. Surpreende que comecem a surgir novos profetas – verdadeiros profetas, não dos falsos, contra os quais o Cristo nos deixou precavidos! – atuando como veículos através dos quais a consciência da Terra fale poderosamente? “Parem de poluir nossos rios e mares! Parem de poluir nosso ar e nossas terras! Parem de idolatrar como se fosse Deus coisas que não são Deus!” Quando o homem declara guerra à Natureza e a derrota, torna-se vítima de sua própria vitória… Ecologia. Eis um dos mais importantes cernes do novo Mito! “Endeusar a Natureza é blasfêmia! Só o Senhor é Deus: Pai, Filho e Espírito Santo” – proclamam alguns fundamentalistas cristãos – “e não nos deixou mãe”. Esta pretensa ortodoxia cristã, como sói acontecer com todos os tipos de fundamentalismo, é limitada, limitadora, tacanha mas sobretudo anti-cristã! Como cristão posso afirmá-lo tranquilamente. Os maiores avanços dentro do campo específico da religiosidade e da fé apontam numa direção comum: existe um único Deus criador de todas as coisas. Culturas distintas dão nomes diferentes ao que nossa cultura compreende no sentido bíblico, talmúdico ou corânico. Deveria isso ser motivo para intolerância? Todos os cultos falam em Amor, Tolerância, Fé – S. Paulo, em I Coríntios 13 informa claramente que o Amor é o maior de todos! No mundo em que vivemos, infelizmente, o que menos se encontra. Vivemos num mundo em que a propriedade tem precedência sobre a vida humana e este é mais um índice de insanidade coletiva.Pierre-Joseph Proudhon e seus filhos – Gustave Courbet. Pierre-Joseph Proudhon