UNIÃO E FRATERNIDADE
(comentários à luz da teoria de Kurt Lewin[1])
A Loja a que pertenço é fruto de uma semente lançada há muitos anos atrás, há mais de um século, por um grupo de homens do mais alto valor social e humano, que fundaram uma Loja denominada Unione e Fratellanza.
Esse nome, que me é muito significativo mais pela antiguidade que pela originalidade, provocou-me esta reflexão. União e fraternidade são conceitos tão intimamente ligados que, no uso diário, quase os usamos com o mesmo sentido. Além disso, por se constituírem conceitos centrais da filosofia maçônica, adquirem uma importância ainda maior para nossa compreensão.
Embora alguns Irmãos entendam que União e Fraternidade devam ser resultado automático de nossa filiação maçônica, e -até como mecanismo de defesa- não vejam com bons olhos a discussão desse tema, o certo é que, como qualquer grupo, os grupos maçônicos estão sujeitos a ações tanto centrífugas quanto centrípetas; à divisão em subgrupos e à formação de acasalamentos; em suma, tanto à união quanto à desintegração.
Por tudo isso, consideramos que iniciar uma reflexão sobre essa questão não é inoportuno.
Uma pequena digressão: Kurt Lewin, um dos nomes mais respeitados nos estudos das dinâmicas dos grupos, nasceu em 1890 na Prússia. Iniciando seus estudos pela química e pela física, começou a interessar-se pela filosofia e, a partir de seu doutoramento, voltou-se definitivamente à Psicologia Social. Tendo lutado na Primeira Grande Guerra pela Alemanha, na Segunda, com o advento do nazismo, sendo judeu, foi obrigado a migrar, dirigindo-se à Inglaterra e, após alguns meses, aos Estados Unidos da América do Norte, onde pesquisou e lecionou até sua morte prematura em 1947. Fundou no M.I.T (Massachusetts Institute of Technology) um centro de estudos e pesquisas em dinâmica de grupos que se celebrizou e veio a formar a maioria dos principais estudiosos dessa área nos anos posteriores.
Por sua origem, Lewin sempre manteve a preocupação com a questão dos grupos minoritários –especificamente os judeus– e veio a publicar importantes trabalhos sobre esse tema.
Feita essa digressão, consideramos que está justificada a escolha desse autor como referência teórica a esta iniciação ao estudo desses pequenos grupos que constituem a maioria de nossas Oficinas.
Assim como estudamos filosofia e psicologia, meditamos sobre as questões metafísicas e buscamos nos livros de auto-ajuda e de autoconhecimento informações que nos permitam compreendermos um pouco mais a nós mesmos, às nossas angústias e anseios, também é importante que visitemos as teorias que se construíram a partir de pesquisas sobre o meio social em que vivemos para compreendermos melhor a questão de nossos relacionamentos.
Um postulado inicial importante para nosso entendimento de grupos, é que os grupos são, paradoxalmente, sempre mais que a soma das partes, pois desenvolvem processos e permitem o surgimento de realidades que no plano individual não existiriam, e também são menos que a soma das partes, no sentido de que inibem, ao “eleger” e “filtrar” as capacidades individuais ali ofertadas, muito do que cada indivíduo tem para oferecer, tanto no bom quanto no mal sentido.
Isso significa, em primeiro lugar –o que já é conhecido na prática de cada um de nós—, que não bastam nossa boa vontade e nossas boas intenções para que nosso grupo se torne unido e produtivo. Em segundo lugar, significa que nosso grupo só poderá crescer e desenvolver-se enquanto grupo, pois um grupo não é a mera soma das qualidades individuais de seus membros, por melhores que sejam essas.
Ciente dessa condição ímpar dos grupos, Lewin elabora quatro hipóteses iniciais importantes para compreendermos melhor sua dinâmica e os sentimentos de seus membros:
1. a primeira é que o grupo constitui o terreno sobre o qual o indivíduo se mantém. Isso quer dizer que se nossos grupos não se constituírem um espaço onde os membros possam definir claramente suas posições e estarem seguros de suas relações, seus comportamentos se caracterizarão pela instabilidade e pela ambigüidade.
2. A segunda é que o grupo é sempre, em certo grau, um instrumento para seus membros. Isso quer dizer que em nossos grupos estamos também buscando satisfazer nossas necessidades psíquicas e aspirações sociais, altruísticas ou egoísticas, e não há integração possível se “sentirmos” que não há no grupo as condições para a satisfação dessas nossas necessidades – as legítimas, evidentemente.
3. A terceira hipótese é a de que o grupo é uma realidade da qual fazemos parte, mesmo quando ignorados, isolados ou rejeitados. Isso significa que a dinâmica de nossos grupos, suas mudanças, suas fases de instabilidade, assim como seus momentos de progresso ou retrocesso, têm sempre impacto sobre cada um de seus membros, e desse impacto ninguém está isento.
4. Finalmente, o grupo é para cada um de seus membros um espaço vital. Isso significa que cada um de nós se sentirá mais ou menos integrado ao grupo quanto mais ou menos “sentirmos” que nele há espaço para nos desenvolvermos e evoluirmos como seres humanos.
Essas hipóteses nos levam a considerar questões importantes. Uma delas é que o “clima” –a estrutura, as situações, a comunicação e as práticas usuais- de nossos grupos é tão real e tão significativo para cada membro do grupo quanto o clima atmosférico, a situação geográfica ou o espaço físico. Nossa realidade “objetiva” e nossa realidade “subjetiva” nos condicionam com igual intensidade. Por isso, como “nos sentimos” em nosso grupo (o que é outra maneira de dizer “como sentimos o nosso grupo”) determinará mais nossas atitudes e relacionamentos do que todos os discursos idealistas sobre obrigações ou compromissos fraternos.
Como corolário dessa conclusão, temos que considerar que quando membros (especialmente no plural) de nossos grupos utilizam mecanismos de defesa (desculpas, subterfúgios, compromissos “profanos” inadiáveis, etc.) em relação a seus compromissos com o grupo, nem sempre essa postura é decorrente de sua “incompreensão para com nossos altos ideais”, de sua “incapacidade para desbastar a pedra bruta” ou de sua “atitude pouco fraterna”. Isso pode significar que o nosso grupo está merecendo, de alguma forma, um diagnóstico sério.
Mas o que constitui essa “realidade” dos grupos, realidade que possa ser observada e analisada?
A primeira grande intuição de Lewin com relação à realidade dos grupos, se deu em função dos problemas de seu próprio grupo de trabalho. Tendo reunido em torno de si uma equipe de pesquisadores bem dotados tecnicamente, nos momentos de auto-avaliação a equipe se queixava de que faltava integração, o ritmo do trabalho era lento e artificial, havia pouca criatividade. Numa dessas reuniões de autocrítica das quais sempre participava, Lewin, que mais ouvia e analisava do que falava, levantou, a título de sugestão, a seguinte hipótese que, posteriormente, veio a se confirmar: se o grupo produz resultados e progride, mas a integração não se dá, isso se deve à existência de bloqueios ao nível das comunicações.
Como conseqüência dessa hipótese, Lewin concluiu que um grupo deve questionar seus modos de comunicação e, se possível, aprender a comunicar-se melhor. Para isso, o grupo deve –fora das reuniões de trabalho- reunir-se com a intenção única de aprender a comunicar-se de modo autêntico. Isso deve ser uma decisão com a qual todos devem concordar e perante a qual todos tenham boa vontade.
Ora, “deve” reunir-se é muito relativo. Para que o nosso grupo, por exemplo, “queira” reunir-se, é necessário (a) desejarmos sinceramente uma comunicação mais autêntica, (b) estarmos atentos à nossa comunicação, e (c) estarmos dispostos a enfrentar e corrigir os problemas de comunicação que viermos a detectar, se quisermos constituir um grupo bem integrado.
Mas também significa – como a experiência de Lewin demonstrou – que necessitamos estar especialmente atentos às nossas atitudes e às nossas relações fora das reuniões de trabalho.
Em todos os grupos existem fontes verificáveis de bloqueio da comunicação, tanto criando “zonas de silêncio” quanto levando os membros do grupo a “filtrarem” o que dizem, por não sentirem no grupo um clima de confiança e compreensão. Detectar essas fontes (medos, vaidades, competições, atitudes autoritárias, preconceitos, invejas, etc.) e discuti-las com franqueza e “de mãos desarmadas”, ajuda a mudar profundamente a atmosfera de um grupo e a favorecer sua integração.
Mas porque um grupo não se conduz de forma “planejada” e “racional”, perseguindo seus objetivos de forma “adulta” e “civilizada”?
Will Schutz, um colaborador de Lewin, levou mais adiante as preocupações deste, desenvolvendo uma “teoria das necessidades interpessoais”. O que Schutz descobriu é que os membros de um grupo “não consentem” em integrar-se enquanto suas três necessidades básicas, “de relacionamento”, não estiverem satisfeitas. Essas necessidades são:
1. a necessidade de inclusão: todo membro de um grupo tem que se sentir aceito, valorizado totalmente por aqueles aos quais se junta. Para isso, procurará (inconscientemente, na maioria das vezes) “provas” de que não é ignorado ou rejeitado por aqueles a quem considera “especiais” no grupo. Um indivíduo só se sente totalmente incluído num grupo ao “sentir” que participa integralmente de todas as suas ações e decisões.
2. A necessidade de controle: todo membro de um grupo tem que se sentir responsável pelo grupo: participar de forma que considere importante nas decisões, definição de objetivos, crescimento e progressos do grupo. Para isso, uma organização democrática do grupo será favorável e, ao contrário, comunicações e decisões autoritárias serão desfavoráveis. É importante que se considere, aqui, que democrática não significa um clima de “laisse faire”, de “permissividade”, assim como não-autoritário não significa sem autoridade.
3. A terceira necessidade é a de abertura: os indivíduos não se satisfazem apenas sendo considerados “importantes” ou “participantes” num grupo. É fundamental que haja aquele sentimento de “ser querido”, de “sentir-se insubstituível”. Não é por acaso que em nossas instruções vemos tantas vezes identificados Amor e Sabedoria.
Para que essas condições e processos se viabilizem, é necessário que os nossos grupos possam oferecer a todos e a cada membro um contexto único, onde, por diferença à maioria dos demais grupos de que participamos, se possam desenvolver relações humanas baseadas na autenticidade, na franqueza, e especialmente onde as relações de e com a autoridade conduzam à autonomia e não à eterna dependência.
A precondição desse processo, é que em nossos grupos as relações sejam de complementaridade e não de nivelamento. Isso quer dizer que nossos grupos devem ser organizados de tal forma que neles possamos ser diferentes, pois assim perceberemos que somos incompletos e, principalmente, veremos em nossos Irmãos a possibilidade de complementarmos a nós mesmos.
Só dessa forma –que só se realiza com franqueza de intenções e esforço constante– poderemos viver as diferenças individuais e de opiniões não como fontes de tensões mas como oportunidades de aprendizado e crescimento.
Que Assim Seja!
[1] Sobre o pensamento de Kurt Lewin, pode-se consultar: Kurt LEWIN, Problemas de Dinâmica de Grupo, Editora Cultrix, 1973; Gerald B. MAILHIOT, Dinâmica e Gênese dos Grupos, Livraria Duas Cidades, 1970.